Evelyn Bonorino me responde a um email escrevendo: “Cortei os pulsos na hora que você falou do Hussein”. Eu teria respondido a ela que cortei os pulsos na hora que vi suas roupas ao vivo, mas minha boa índole não me permitiu tal provocação. E pensando bem, eu cortei os pulsos mesmo quando não vi a exposição Hats no Victoria & Albert Museum. Sim, essas coisas acontecem quando uma modalogista passa um único dia em Londres e atravessa a Millenium Bridge a pé. As explicações são mais ou menos as seguintes.
Desembarquei na St Pancras Station num sábado de manhã com um roteiro pronto para aproveitar ao máximo a terra da Rainha. Estar em Londres por somente 10 ou 12 horas é tenso, é preciso calcular minuciosamente cada passo.
Acompanhada de meu pai, o dia começou atravessando a tal ponte, que desde sua construção sofreu diversos reparos. Parece que a ponte, exclusiva para a travessia de pedestres, balançava um pouco, o que devia trazer como conseqüência diversas fotos desfocadas. Consertos resolvidos, lá fomos nós, em dia de ventania, cruzar a ponte. Uma vez do outro lado do rio, o inevitável clichê aconteceu: meu pai e eu nos despedimos temporariamente, ele indo assistir a partida de futebol do Chelsea e eu correndo para o Design Museum, onde a expo de coleções do Hussein Chalayan me esperava.
O Design Museum fica na beira do Tâmisa, numa área de Londres recuperada recentemente (perto dali, em frente à ponte já citada, está a Tate Modern). O Hussein Chalayan estava ali, embora não estivessem lá as peças de uma das coleções mais impressionantes do estilista, a One Hundred and Eleven, verão de 2007, em que vestidos e mangas se encurtavam ou alongavam, e onde no fim um chapéu sugava a roupa da modelo, deixando-a nua na passarela. O telão no fim da exposição exibindo tal performance não saciou meus desejos, e confesso que só não saí frustrada porque todo o resto da mostra era lindo e apaixonante. Confesso que eu não era grande fã do estilista, o que obviamente mudou drasticamente após a ida ao Design Museum. Algumas peças da coleção Readings, de 2008, estavam lá, protegidas por paredes negras que realçaram os raios vermelhos que saem dos vestidos. Peças do outono 2007, intitulado Airborne, também estavam na mostra, como o vestido revestido de luzes LED. Estar diante dessas peças de vestir tão tecnológicas é hipnotizante, e o deslumbramento é semelhante ao que uma criança de 6 anos tem quando vai à Disney pela primeira vez. A riqueza com que Chalayan constrói seu trabalho o posiciona num lugar onde conceito, técnica e inovação se misturam, de forma que é difícil categorizar sua obra. Não é só moda, nem só design, nem só tecnologia. Respaldada pelo fato de que a mostra se encontra num museu, eu arriscaria dizer que Hussein Chalayan faz obras de arte.
Do Design Museum até South Kensington, alguns obstáculos atrasaram meu percurso: recuperar o fôlego pós Chalayan, estações de metrô em obra, linhas fechadas, procurar uma casa de câmbio, comprar postais, passear por Kensington Gardens, entrar na TopShop, experimentar a TopShop inteira… Finalmente cheguei ao V&A, onde os Hats me aguardavam. Uma vez dentro do V&A, porém, me dei conta de que entrei pelo lado do museu que me levou direto ao acervo de moda permanente da instituição. A coleção começa com trajes do século XVIII e chega aos dias atuais. O museu faz questão de agrupar dentro das vitrines nomes significativos de estilistas italianos, franceses, americanos, dando um panorama geral das inovações e propostas ocorridas ao logo da história do vestuário. Entre as aquisições recentes está um vestido bordado de pérolas dos pés à cabeça usado por Lady Di. Além disso, há vitrines “temáticas”. Noivas (é quando você descobre que os vestidos nem sempre foram brancos), lingeries, sapatos etc. O vestido de noiva confeccionado por John Galliano, confesso, dá vontade de casar, mesmo que termine em divórcio.
A caminho da bilheteria (uma parte do museu é gratuita) parei na lojinha do museu. É impossível entrar em lojinha do museu e sair de mãos abanando, ainda mais quando a pessoa coleciona postais, e ainda mais também quando a autobiografia do Paul Poiret custa menos que 10 libras. Eis que finalmente chego à bilheteria e levo um banho de água fria: cheguei tarde demais, são quase 5 da tarde, a venda dos tickets só funciona até 4 e 30h. Sento no chão e choro, mas sou retirada por um segurança que me explica, num belíssimo sotaque britânico, que não é permitido chorar no chão do museu, e além do mais eles já vão fechar as portas.
Embarco no Eurostar um pouco chateada, afinal não vi os chapéus que tanto queria. Meu consolo é que meu pai não se meteu em nenhuma briga de Hooligans e o trem vai me levar de volta a Paris, onde eu já aprendi direitinho o horário das coisas.